Ela abriu a porta e foi. Com a mão na maçaneta certificou-se
de que você não notaria a saída repentina de cena, tola, é claro que não
notaria. Estava afoito demais em seus compromissos e em seu ego inflamado.
Você nem ao menos deve tê-la visto sair, ou lido o bilhete
que ela deixou. Deixou um bilhete com marcas, borrões no espelho do banheiro,
lágrimas de madrugada e passos arrastados no carpete da sala.
Mas como perceber que ela saiu, se você nem ao menos havia
notado sua presença? Se você nem ao menos tinha a visto entrar e se acomodar. Se
acomodar nessa sala confortável que você criou, nesse ambiente bonito que você
fez. Isso foi crueldade, seu moço. Poetas antigos já diziam que a dúvida corrói
o homem, e foi o que você fez. Fez da sua certeza uma dúvida, mas uma dúvida
que não era sua.
Você sempre se achou demais para ela. E não importava o quanto
você dizia que era ela diferente, suas atitudes demonstravam que ela era mais
uma dentre as iguais. Mas você se enganou, moço, ela nunca foi mais uma. Ela
não precisava de você, só achava que precisava.
Ela fechou a porta sabendo que talvez estivesse fechando a
última chance de ser feliz. Porque essas coisas não acontecem todo dia, em
qualquer esquina, ou naquele cybercafé onde vocês se conheceram. Mas ela teve
que fechar a porta, teve que se despedir de tudo que a fazia sorrir, porque ela
sorria sozinha. Teve que deixar pra trás todas os seus CDs que ela tanto
gostava e levar consigo a escova de dente que agora teria outra morada.
Você sempre soube disso né moço? Sempre soube que pra ela
não era um jogo, onde ganhava quem resistisse mais. Ela não queria resistir, e
você sabia disso. Sabia, mas fazia questão de não ligar. Mas ao contrário do
que você sempre achou ela é boa demais. Ela é grande demais. Ela não aguentou
ficar por muito tempo.
Ela não sabia o que você pretendia fazer e o que aquilo tudo
representava nessa sua mente doentia, a única coisa que ela tinha certeza era
de que havia cansado desse jogo de palavras cruzadas. Ela cansou de segurar o
mundo inteiro nas mãos e das dúvidas alimentadas.
Ela saiu daquele apartamento pequeno que era quase um
aconchego, pensando que talvez voltasse lá. Mas se um dia ela voltasse, as
coisas deveriam estar no lugar. Não deveriam ter meias, cuecas e palavras
jogadas no ar. Um dia talvez arrependido e tentando se declarar você a
implorasse pra ser só sua,talvez.
Mesmo com a esperança de que isso acontecesse, ela
obrigou-se a parar de pensar. Ela respirou fundo e achou melhor dizer a si
mesma que acabava ali, acabava ali tudo que nunca tinha começado.
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