20 dezembro 2012

Estou aqui

Lá estávamos nós de novo. Deitados no mesmo sofá velho que mal cabia nós dois. Ela se alinhava perfeitamente ao meu corpo e o incomodo de um lugar pequeno logo desaparecia. Estávamos falando das desventuras dos dias, ou melhor, ela falava. Eu apenas ouvia em silêncio, não por desdém, mas por já saber toda história, saber tanto que eu poderia completar suas frases mal terminadas. Eu não me importava, sabia que por mais que tudo se repetisse por vários dias, na cabeça dela aquilo sempre seria novo e ela em um ato involuntário de "ser ela", sempre arrumaria um jeito de contar aquilo de forma diferente.
Enquanto ela repetia os fatos por mim já conhecidos eu me distanciava em pensamento. Ao longo de seu monólogo eu fui refletindo no porquê daquilo tudo, no porquê eu me prestava àquele papel. Pra ela, um amigo, um ouvinte. Pra mim, minha pequena, meu amor.
Ouvi-la falando de um idiota qualquer que a feriu me deixava com náuseas, náuseas por não entender como alguém poderia ser capaz de machucar um ser tão frágil, tão perfeito. Náuseas também de inveja, por nem ao menos ter a oportunidade ser esse idiota. Suas palavras e frases mal arrumadas, daquele jeito bem impróprio de falar rápido e embolado, fazia das conversas um misto de comicidade e aprendizado. Ouvir sobre seus planos, seus sonhos, sobre o professor da faculdade, sobre as pessoas mal-educadas na cidade, o semáforo que quebrou,o trânsito, o trem lotado e o novo CD da sua coleção, eram assuntos tão corriqueiros e comuns, mas ela conseguia fazer com que eles adquirissem um encanto sem igual. Chegava a me perguntar se era assim somente comigo ou se era o jeito dela; achar uma razão especial em tudo e em todos. Aquilo me encantava.
Confesso que tinha vezes que eu nem a ouvia direito, apenas fitava seu rosto que passava pela linha tênue de menina e mulher. Eu me apaixonava mais a cada dia, e ela nem ao menos percebia ou quem sabe fingia não perceber,quem sabe.
Olhando-a desabafar sobre o mesmo idiota de antes, eu me questionava se um dia desses ela estaria na mesma posição só que desta vez desabafando sobre mim. Questionava-me se por ventura nesses esbarrões da vida ela não iria reparar que o meus olhos brilhavam ao vê-la chegar.
Nunca gostei de comédias românticas nem de séries da tv a cabo, mas com ela eu aprendi a gostar. Ou quem sabe só aprendi a gostar da presença dela e não importava onde fosse o lugar ou o que estivéssemos fazendo.Eu não tive muitos amores e também não almejo ter, amor verdadeiro só tem um e eu sabia com quem iria ser.
O que eu queria que ela soubesse? Que eu estou aqui. Eu estou aqui para ouvi-la, para confortá-la, para abraçá-la, para a fazer sorrir. Mas eu também queria que ela soubesse que eu estou aqui mas não vou ficar pra sempre. Queria que ela soubesse que eu estou aqui, mas uma hora eu terei que partir. Amar é um sentimento nobre, mas todos os livros e filmes melódicos que ela outrora me indicara ainda não haviam me feito entender como funcionava essa coisa de amor platônico. Queria que ela soubesse que eu estou aqui, mas que as coisas não são fáceis. Partir é complicado, mas me aprisionar em algo não correspondido talvez seja pior. Queria que ela soubesse que eu vou partir, mas não pra longe. Eu vou partir pra esquecê-la, ou pra tentar não pensar. Eu vou partir, mas eu estou aqui, e basta um telefonema dela que eu volto sem pestanejar.
 Foi neste momento que meus devaneios foram interrompidos por um par de olhos azuis marejados, que me faziam a mesma pergunta de sempre :"O que eu faço?" Era hora de eu entrar em ação, falar coisas que a confortasse e conselhos supostamente prontos que, ao menos pra ela, faziam sentido. Mas naquele dia eu a surpreendi, e pra ser bem sincero eu também me surpreendi. Após ouvir minha resposta ela demorou em demonstrar alguma emoção, mas em um ato de quem entendeu o que não foi dito ela esboçou aquele sorriso, aquele mesmo sorriso que era meu mundo, que me fazia perder o chão. Aquele sorriso que me fazia sorrir.
Sobre a resposta? Eu a olhei e disse brandamente, como se fosse o meu último pedido para um breve adeus: "Seja feliz."

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