24 dezembro 2012

Pai do céu, não Noel


O trânsito congestionado e as ruas abarrotadas de pessoas, anunciavam o acontecimento da semana.
Dentro do carro, sua mente vagava há anos luz de distância. O trânsito na ponte Rio-Niterói estava caótico, e provavelmente ela se demoraria mais do que o de costume no seu trajeto rotineiro. Um garoa fina caia lá fora e dentro do carro só se houvia o barulho do velho para-brisa, isso a fez lembrar que já havia passado da hora de trocar seu carro.
Pensou em pôr uma música ou ligar em uma rádio qualquer, mas talvez seus pensamentos a proporcionassem melhores momentos, ou quem sabe ela só estava fugindo das canções natalinas que tocavam nessa época.
Véspera de Natal. Ela teve de ir trabalhar, haviam muitos processos para serem fechados no escritório. Ela sempre gostou do Natal, do seu significado, do que ele realmente é e não do que fizeram com ele.
Não entendia como as pessoas deixaram morrer tão fácil o tal "espírito de natal" por dúzias de propagandas capitalistas. Foi bem isso, o consumismo gerado desde o velho Noel havia tomado o lugar do prazer familiar.
As trocas de presente, a sagrada ceia, todos os símbolos invertidos, perdidos. E o pior é parecer que ninguém se importa, que ninguém liga. Essa sociedade superficial e egoísta, já era de se esperar.
Alguns carros pareciam estar andando lá na frente, ela nem ao menos se animou com os poucos metros que deveria andar, aquilo ali ainda levaria horas.
Com a cabeça encostada na janela, onde haviam gotas mais expressivas, visto que a garoa de outrora agora era uma chuva forte, deixou-se ser invadida por sentimentos de nostalgia e saudosismo, lembrou-se de sua infância e de quando o pai juntava todos na sala para montar a árvore de natal, e ela por ser a caçula, ficava encarregada de colocar a estrela no topo da árvore. Com o tempo esse hábito foi ficando esquecido, não pela falta de valor, mas por ela ter crescido o suficiente para pôr a estrela sem precisar subir nas costas do pai. Lembrava-se também das trocas de presentes, das canções natalinas que ela nunca gostou. Lembrou até da vez que seu cachorro engoliu uma das bolas da árvore de natal e toda a família teve que passar a véspera inteira no veterinário. Ali, tão perdida em suas lembranças, ela esboçava um leve sorriso, um sorriso de saudade e de satisfação. Sabia que a criança que um dia ela fora e que roubava rabanadas da geladeira, se orgulharia da mulher que ela havia se tornado, com certeza.
Ela recordava também que do seu grupo de amigos, seja da escola, do ballet ou da rua, ela sempre foi a única criança que nunca acreditou em Papai Noel, e isso a custou muitas amizades, já que as mães de seus amigos a culpavam por estragar o imaginário esdrúxulo de seus inocentes filhos. Não ache que ela era uma criança má, mas é que quando a perguntavam:" O que você pediu ao Papai Noel?" Ela respondia com uma seriedade que não condizia com sua idade: "Eu não acredito em Papai Noel. Eu acredito em Papai do céu."
Seu pai, pastor de uma igreja batista, sempre contava a história de Jesus nas noites de Natal. E sempre dizia que para o Pai do céu lhe dar algum presente, você não precisava ser bonzinho o ano todo. Você só precisava acreditar nEle, porque Ele te amava incondicionalmente.
Hoje, aos 23 anos, muitos dizem que seus conceitos foram moldados pelo fato de seu pai ser pastor e por ela sempre ter que dar exemplo. Mas ela sabia bem que não era isso. Claro, boa parte do que ela era hoje devia totalmente a seu pai, ele foi seu maior exemplo. Mas sobre sua vida com Deus, ele apenas lhe mostrou o caminho, mas a escolha de caminhar havia sido dela.
Foi quando ela fechou os olhos e em sussurros fez uma oração.
" Pai do céu, ouve o meu pedido.
Talvez hoje eu só deveria lhe agradecer por todas as coisas que me fez por todos esses anos, e assim eu já o faço. Mas hoje eu não quero falar de mim, nem de nós. Hoje eu quero lhe pedir por eles. Rogo-lhe paizinho, que o Senhor nesta noite vá de encontro com cada pessoa. Para cada coração duro e amargurado, um sorriso. Para cada choro, um abraço. Para cada abandono, um conforto. Para cada frio e fome, um alento. Toca nas pessoas, para que neste dia, elas sejam menos egoístas e egocêntricas. Que elas sejam menos frias e calculistas. Que elas percebem que o Senhor conta com elas para que outras mais tenham um bom Natal. Que nesta noite, lembrem-se do nascimento do seu filho e que desta forma ele também nasça no coração de muita gente. Amém."
Abrindo os olhos ela percebeu que o trânsito começava a fluir. Chega de pensamentos. Pegou o primeiro CD que estava jogado no banco do carona e seguiu viagem. Estava indo para cada, para sua família, para o seu lar. Ela estava feliz, por estar ali. Por se sentir completa e por saber que alguém lá de cima a olhava e amava, como ninguém poderia amar.

FELIZ NATAL!

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