17 dezembro 2012

O velho piano de calda


Aquela sala vazia ainda significava muito pra ela. Entrar lá era como se tivesse que se desgarrar de sua própria capa. Entrar lá era como ter que dizer em voz alta as coisas que seu coração sofria em segredo; era como ter que admitir que aquilo realmente era real e não um mero pesadelo.
Mas não era uma sala vazia, vazia estava ela, sem direção alguma. Havia um velho piano de calda, pelo qual o tempo foi generoso e parecia que tinha acabado de sair de uma loja de música qualquer.
Com uma certa calma e com passos demorados ela foi se dirigindo até o acento, na verdade sua calma era enganosa, ela só ainda não se sentia preparada pra enfrentar o turbilhão de coisas que ainda estavam por vir.
Deve ter ficado uns vinte minutos ali, sentada. Olhando para o piano e imaginando quando teria coragem o suficiente para começar.
Hora de abrir, hora de começar a canção. As teclas deveriam estar empoeiradas, mas ela fazia aquilo tantas vezes que seria uma contradição assim estar. Essa era a grande questão, tomar esta atitude era algo corriqueiro, então por que ela ainda não conseguia agir normalmente?
Canção inciada. Cada nota, uma lágrima. Cada dedilhar de dedo, uma lembrança. Ela rogava para que aquele velho piano de calda traduzisse toda sua dor, toda contenda interna que ela enfrentava. A canção encontrava-se no seu auge, e é neste exato momento que a dor começar a ficar mais forte. Mas ela não parava, não parava de tocar porque sabia que agora tinha de ir até o final. Foi então que ela começou a cantar, a letra da música ainda surtia um efeito sem igual nela, mesmo depois de tanto tempo. Era como se estivesse cantando pela primeira vez.
Quem a olhasse naquele instante jamais imaginaria que aquela era a mesma menina que sorria aos quatro cantos, que se divertia com qualquer coisa em qualquer lugar. Nunca passaria pela cabeça de alguém que esta era a mesma menina que fazia os outros sorrirem, e isso já a bastava. Seu semblante era frágil, caído, dava vontade de ir até lá e abraçá-la até que as lágrimas parassem de rolar.
A canção foi chegando ao fim. A agressividade que outrora era empregada no teclar, agora se traduzia com dedos suaves, quase que voadores. Em um surto de utopia poderia até se pensar que não era mais ela que tocava, mas a canção continuava, misteriosamente continuava.
A música começava a se suavizar, sua voz doce começava a diminuir e o seu sorriso começava a aparecer.
Quando a música anunciava seus últimos acordes, ela já não tinha mais os dedos repousados no piano. Estranhamente, a música ainda tocava sozinha, ou então era só o seu efeito impactante demais que mesmo não sendo mais tocada vazia com que ela continuasse no recinto.
Era um misto de dor e alívio que a fazia ficar estagnada.
Ela se levantou, e caminhando até a soleira da porta pensou quando é que as coisas ficaram daquele jeito, quando é que o abandono foi inevitável. Quando foi mesmo que seu mundo desabou. Eram respostas que ela  não sabia, ou talvez não quisesse saber.
Independente de qualquer coisa, aquela havia sido sua escolha. Guardou a sua dor para cuidar da de um outro alguém. E só mesmo o velho piano de calda seria capaz de desmascarar toda farsa contida nos dias. Ela só tinha Ele, e sabia que no dia seguinte o encontraria de novo, e no outro, no outro... até a dor passar e ela poder tocar músicas felizes novamente. Sem amarras, sem pressa, com sorrisos, com alegria.

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