16 fevereiro 2013

Um amor de conveniência


Ela odiava rodoviárias, que fique bem claro. Odiava na verdade tudo que envolvesse muito estresse, filas e espera. Uma boa menina criada no século XXI.
Uma única parada para reabastecimento, dizia o motorista que mais parecia com um personagem de filmes antigos que passam na tv a cabo. Seguiu viagem, a estrada estava boa e isso era realmente reconfortante. Ela odiava esperar, devo te lembrar. 
A paisagem era de um verde sem igual, e podia se ver pequenos animaizinhos despertando no alvorecer. 
Parada. O motorista anunciou que seriam apenas vinte minutos e que os passageiros poderiam descer, caso quisessem. Bom, ficar mais duas horas dentro do ônibus já seria angustiante, vinte minutos fariam toda a diferença.
Ao sair do ônibus reparou que o sol estava convidativo e que haviam também outros ônibus de viagem e um monte de outras pessoas que assim como ela, estavam na contra-mão do "mundo". Iam ao litoral na quarta-de cinzas, quando o fluxo era de volta, ela se contentava pois seu caminho era de ida.
Olhou no relógio e faltavam quinze minutos ainda. Reparou também que em frente a lanchonete local, havia uma loja de conveniências, do tipo que ela nunca foi fã, mas seus quinze minutos precisavam ser ocupados.
Ela passou um bom tempo lá dentro, haviam objetos rústicos, artesanatos e compotas. A loja estava vazia, digo, havia apenas um homem. Alto, com cabelos escuros e levemente bagunçados. Ele estava de costas, mas de uma forma que não se explica atiçou a atenção da nossa menina. Ela foi caminhando por entre as gôndolas e droga... Que olhos eram aqueles, ela notou que ele também a fitava e rapidamente desviou o olhar e fingiu estar pegando algum artefato com cara de sapo, que por sinal, era muito feio. 
Ele está vindo, caminhando em sua direção. Ela quase nem acreditou, respirou e deu uma ajeitada no cabelo, aqueles cabelos demasiadamente encaracolados que sempre cismavam em ter vontade própria. Agir naturalmente, pensou. Ele era só um cara muito bonito que tinha o sorriso mais cativante que ela já havia visto em toda sua vida, apenas.
Ele deu um oi um pouco arrastado, se apresentou. Ela não estava velha demais para estas cantadas de loja de conveniência? Os dois trocaram meias palavras e ela descobriu que ele tinha o mesmo destino de viagem que o dela, e como ela, também estava indo quando deveria estar vindo. Descobriram também alguns gostos em comum e deram umas duas ou três risadas sobre um assunto qualquer. Uma olhada no relógio e faltavam cinco minutos para o motorista-personagem seguir viagem. Ela tinha que se despedir, não queria, o papo estava bom, suave, seguindo tranquilo. E aquelas olhos castanhos pareciam exercer algum poder de atração sobre ela. Droga, hora de ir. 
Uma despedida de poucas palavras, dois beijos no rosto e mãos apertadas. Nada de telefones trocados, endereços ou emails. 
Poltrona levemente inclinada, cinto de segurança, livro as mãos. O motorista pronunciou algumas palavras que poderiam ser importantes, poderiam. Mas ela estava perdida demais em seus devaneios. 
Ele estava indo para o mesmo lugar, não deveriam haver muitas pessoas comemorando suas "cinzas" no mar. Ela se arrependeu por não ter pedido o número do celular, vai que eles poderiam marcar um encontro, dançar uma noite dessas e depois escolher os nomes dos filhos, vai que? Não havia muito o que fazer, o ônibus já havia partido. Mas ela torcia. Torcia para que o mar trouxesse aqueles olhos castanhos para lhe alegrar. 
Esboçando um leve sorriso de quem estava conformada, disse a si mesma que mesmo que o mar ou a brisa não o trouxessem, um dia desses eles se reencontrariam. E eles poderiam ter alguma história, ou então, história nenhuma. Quem sabe na praia, numa lanchonete, num bar. Quem sabe em uma outra loja de conveniência, em uma rodoviária qualquer, quem sabe.

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