Avesso

Diziam por aí que eles não tinham muito a ver. Que ele  era o oposto dela e que nunca daria certo. E quem vive de aparência certamente pensaria isso, mas talvez as pessoas não saibam que aparências são apenas capas. E é bem raro nessa droga toda encontrar alguém que consiga enxergar além disso.

Eles se encontaram na intercessão de dois mundos e eu não chamo isso de sorte, olha, foi bonito de se ver. Foi daquelas coisas que de longe você percebe que já tem hora e data de casamento, não é exagero não moço, é destino. E eu que nunca fui muito fã disso, tive que aceitar, aceitar que nem sempre você faz o seu caminho, às vezes é ele que te faz. Ele que te encontra e aí vem essa danada da vida e reserva uma surpresa a cada dia. A gente não tem controle de nada moço, e não ter controle às vezes é bom. Um dia eles vão aprender isso também.

A amizade ia crescendo e quem os via na fila da pipoca, no banco da escola ou na fila do ônibus não imaginava quanto assunto cabia naqueles dois. Quantos aprendizados eles tiveram e como um mudou o outro, só pelo contato, só por serem quem eles eram. Eles se precisavam sabe, sem saber, eles se precisavam. Eles não se completavam, nunca foram desses. Eram daqueles de transbordar. E se você olhasse para um dos dois meio que de relance, perceberia que no olhar de um, havia um pouco do outro; e nem foi pelas horas de conversa ou palavras trocadas, mas é porque dizem que quando a gente ama alguém carrega um pouco dela dentro de si. E acho que foi isso que aconteceu.

Ele percebeu primeiro que ela. Essa coisa de amor era nova demais pra ele, tão nova que seria quase impossível não perceber. Ela ainda tinha amarras, amarras das quais ela não queria se soltar. Ora veja, ninguém gosta de mudanças, ninguém gosta de sair da sua zona de conforto. Ela era apegada a rotina, moço. Ô se era. Ela é dessas guriazinhas que mais parecem um paradoxo ambulante, vive tentando se reafirmar e nessa busca acaba por negar o que não a convém. Mesmo que sejam seus próprios sentimentos. Mas acho que todo mundo tem um pouco de covardia dentro de si, todo mundo há de ter.

Vou te dizer que demorou, ah como demorou. Mas não foi uma demora ruim não, foi até bom sabe. Têm coisas que quando vem rápido demais perdem o gosto e eles precisavam de tempo pra se temperar um com o outro e um pelo outro.

Eles são um casal meio diferente, tem aniversário de namoro bimestral e umas manias estranhas que as outras pessoas não entenderiam. Os dois ficam dançando pela sala e a primeira vez que fizeram isso, souberam que não iriam querer dançar com mais ninguém. . Eles riem deles mesmos, se implicam por amor e não tem pudor em comentar o quão uma pessoa é bonita ou não.

Quem vê os dois hoje assim, andando até de mãos dadas nunca vai entender o que eles sentem só em entrelaçar as mãos. É como se por um segundo você estivesse segurando seu mundo inteiro e às vezes eu acho que nem eles entendem. Na verdade, eu me decepcionaria se eles entendessem, é como tentar explicar o inexplicável. Porque sabe moço, do pouco que sei dessa vida, sei que o amor é um sentimento que vem uma vez só e caso acabe, pode ser tudo, menos amor.  Amor é sentimento que vem manso, amor primeiro aprender a amar. Como já dizia o apóstolo Paulo, o amor nunca falha e nunca acaba. E de todas as experiências erradas que temos, nenhuma é desamor. São todas partes, e quando vier o que é perfeito elas se dissiparão. E sentimentos como este não podem caber em palavras, não mesmo, não podem ser definidos, de modo algum.

Sobre os opostos, eu até concordo um pouco. Eles vieram de mundos diferentes e talvez por isso deem tão certo. Vê-los juntos é como ver esses alinhamentos de planetas que vez ou outra mostram no Discovery, é diferente. É luminoso por si só e completo pelos dois.

Sobre o oposto, eu não seria tão radical. Eles são o avesso e talvez isso defina tudo.