20 janeiro 2014

Sozinha a mesa


Na mesa da sala de jantar, depois de tanto tempo e de lutas internas, resolvi te reencontrar. Te reencontrar nas promessas de fim de tarde, nas juras sem fim. Nos momentos tão nossos que pareciam ser eternos. Olha, não vou negar, junto com as lembranças veio uma vontade invasiva de te ligar. Mesmo sem saber o que falar eu quis ouvir sua voz, lembrar do seu tom, do seu sotaque puxado e quem sabe assim, tirar a abstração que você deixou grudada na fronha do travesseiro, no armário do banheiro e no tapete da sala. Quem sabe assim, conseguir te materializar novamente longe de mim e parar de te ver em tudo, em todos. Ter a certeza de que passou e que agora você esta aí, dormindo com outra pessoa, cantando para outra pessoa, amando outra pessoa. E que eu  virei apenas uma foto no fundo da gaveta e um passado bem vivido.
Mas eu não liguei. Eu não liguei porque por mais que eu precisasse de um grito da realidade me mostrando que havia acabado, eu gostava daquele martírio de te ter, mesmo que sem você saber, mesmo que sem ser.
Nesse jantar, sozinha a mesa, abri aquele vinho do Porto que você comprou para comemorarmos minha promoção no emprego. Não tinha o mesmo gosto ou então aquela ressaca amorosa tinha mexido com meu paladar.
Veja só, enchi minha taça e lembrei de você, metido a filósofo que era, me dizendo que o copo não estava nem meio cheio, nem meio vazio. Só estava na metade. Que tinha 50 % de chances para as duas possibilidades e que tudo dependia do nosso ponto de vista. Foi exatamente isso que você me disse quando eu fui embora.
Disse que as coisas tinham mudado, sua vida havia levado um rumo que nem você mesmo imaginava, mas que me garantia 50% e o restante só dependia de mim. Você me convidou a arriscar com você, mas acontece que eu nunca fui boa com probabilidades, eu precisava dos 100% totalmente seus, pra eu recriar o meu daí. Nunca gostei de me arriscar, então covardemente eu fugi. Fugi regada de um medo antecipado de coisas que poderiam acontecer. Eu não consegui te acompanhar, eu fui a fala do seu inconsciente, eu reproduzi as minhas frustrações nos seus olhos. Eu criei uma cena onde a porta de fuga parecesse ser a única opção.
Eu me deixei ir. Eu te deixei ir mesmo que eu não quisesse deixar e que você não quisesse partir. Eu te deixei ir por mais que meus olhos traíssem meus passos e que meu coração gritasse para eu voltar. Eu me deixei ir porque cega, não consegui enxergar um espaço para mim nesse seu novo mundo. Eu me retirei do palco por não querer ser coadjuvante e te deixei protagonista solitário na nossa própria peça.
E agora eu que estou aqui, sozinha a mesa, tomando o nosso vinho que ainda é nosso, mas está pela metade.

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