23 maio 2014

Mesa de bar

“Você”. Foi o que pensei quando naquela mesa de bar me lançaram a palavra felicidade. “Infância”. Foi o que respondi por ser clichê. O jogo seguiu, com algumas risadas, revelações, casos mal contados, mais um copo, amores desvendados e uma porção de petiscos.
Enquanto o lugar se movimentava, minha atenção se dividia em cenas. Eu via os rostos sorrindo, a briga do casal da mesa ao lado quando o cara olhou diferente para uma mulher qualquer que passou na sua frente. Uma turma de universitários entusiasmados, a corrida dos garçons para dar conta de todos os pedidos. Pergunto-me se os amigos que comigo estavam realmente acreditavam nas minhas risadas e acenos de cabeça enquanto eles continuavam com o jogo e conversavam sobre um assunto que eu não fazia ideia do que se tratava. Creio que na hora eles não poderiam imaginar que, com uma palavra aleatória abriram uma gaveta que tinha um mundo dentro. E eu, sem resistir, me transportei pra lá.
Um cara com a barba falhada e um tênis surrado subiu ao mini palco montado a nossa frente, deveria ser o cantor da noite e provavelmente estava ganhando uma miséria para estar ali. Tinha os olhos caídos, daqueles que dá a impressão que a pessoa está sempre triste, mas ele tinha um sorriso bonito, tinha no rosto uma incongruência harmoniosa, se é que isso existe. Pegou um violão, disse seu nome, algumas poucas palavras e começou a tocar. Na primeira nota eu já não pude acreditar, eu devia mesmo ter cumprido a promessa de nunca mais dar uma trilha sonora aos meus amores. Parecia que tudo que as pessoas naquela noite faziam, mesmo que de forma não intencional, me faziam lembrar você.  Eu fui sentindo cada nota, ouvindo a melodia, me entregando à música e por um instante tentando materializar as inúmeras vezes que ao violão você tocou pra mim aqueles acordes, quando dançávamos no meio da sala e até mesmo quando eu pulava toda minha playlist pra ouvir aquela música e lembrar de você.
Naquela noite eu te vi sem você estar lá, eu te ouvi sem você falar. E já faz tanto tempo... Naquela noite, eu nos vi. Eu nos vi nos sorrisos, na briga do casal da mesa ao lado, na turma de universitários entusiasmados, no nosso “o de sempre” para o garçom. Hoje eu nem sei por onde você anda, mas naquela noite, você estava naquela mesa de bar.
O cantor deu um intervalo e eu virei o copo de uma só vez, na tentativa de engolir junto com a bebida aquela sensação que me invadia. Voltei a jogar com um gosto de reencontro que eu só consegui resumir na palavra que lancei quando chegou minha vez: “Saudade”.

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